domingo, 6 de abril de 2014

Comigo mesma

Era uma tarde de café.
E uma pessoa me perguntou o que eu mais gostava de fazer.
Gosto de ficar em casa, respondi. Sério? Ela ficou estarrecida com a minha resposta.
Eu pensei em várias coisas na verdade. Pensei em brigadeiro, na minha escrita, na minha cachorra, na minha família, conversar com a minha mãe...pensei em tanta coisa que gosto, mas sinceramente gosto é daqui. Do meu canto, das minhas coisas. Do meu lar.
E da maioria das coisas que gosto de fazer, consigo fazer aqui mesmo.
Gosto dos cheiros daqui. Da vela de baunilha, do inseparável Giovannna Baby, da cebola frita com alho, do cheiro do homem que amo.
Sair de vez em quando é muito bom e faz bem, mas gosto mesmo é de voltar para casa. Para a minha vida. Para a minha cama.
Amo viajar, uma das únicas coisas que compro e me enriquece. Mas amo voltar para casa. Arrumar as coisas. Lavar as roupas. Organizar fotos. E as lembranças.
Vivemos em tempos em que ter um monte de amigos é super legal e divertido, e que viver rodeado de pessoas que muitas vezes nada têm a ver com você também é.
Nada contra a diversão, mas cá entre nós, quanto mais gente mais confusão. Em família também é assim, quanto maior mais problemas. E são tantos, ciúmes, ganância, desavenças, falta de afinidade, inveja e principalmente dinheiro. Deveria ser a solução do mundo moderno. Mas não é. Se briga demais por ele, seja por muito ou por migalhas. As pessoas de hoje brigam e se matam por migalhas. Triste isso. E desnecessário. Vai entender...
Gosto da companhia de algumas pessoas sim, principalmente das que sabem escutar. Porque falar todo mundo quer. E sabe. E entende. Vinho então, dietas nem se fala. Mas saber ouvir é para poucos.
Eu convivi muito tempo comigo mesma. Eu as vezes brinco com meu marido e meu filho que passei mais tempo sozinha em hospitais do que em casa. Isso virou uma piada gostosa entre nós, sem sofrimento, nem dor de relembrar um passado tão próximo. Que foi muito dolorido, mas que foi superado e que bom que podemos rir de algumas passagens engraçadas mesmo em um lugar chamado hospital. Fui feliz lá em alguns momentos. E se querem saber, tenho até saudades.
Um transplante requer cuidados extremos, higiene máxima, muita paciência, dedicação. E consciência. Consciência de que eu teria que ficar sozinha em alguns momentos. Em muitos, mais do que imaginei. Na sala de cirurgia era eu e a minha fé. Na hemodiálise era eu e a máquina. No pós transplante eu só podia ver três pessoas, meu marido, meu filho e minha mãe, sem abraçá-los, nem beijá-los. E de máscara. Vivi em uma bolha. Durante seis intermináveis meses. Mas foi necessário. E algumas pessoas que eu esperava me escutarem em uma fase tão difícil, não tiveram essa atitude. Ou talvez tempo. Coisa complicada de se entender essa vida moderna onde nada nem ninguém tem tempo. Mas entendo. Sempre fui compreensiva e faz parte da minha essência ser assim. Meu perfil não me cabe julgar ninguém, pois cada um vive conforme as suas possibilidades perante a vida.
E com isso, aprendi entre coisas boas e ruins, que minha melhor companhia era eu mesma. Passei a me entender mais, respeitar meus limites, saber dizer não, conhecer meu corpo. E aceitar as cicatrizes. Talvez essa foi a parte mais difícil, as cicatrizes, não tanto as físicas, mas as da alma. Essas doem mais.
Comecei a me cuidar mais, me aceitar mais. Me aceitar do jeito que sou. Sem correções, nem mudanças.
Convivi comigo mesma durante muito tempo e para minha surpresa, foi e está sendo uma experiência inigualável.
Passei então a fazer escolhas, porque muitas coisas eu não poderia fazer. Ter uma doença crônica como a minha não significa que a vida acaba, pelo contrário, me sinto mais determinada, forte, divertida e grata, mas tenho minhas limitações. Não me permito mais ir além do que não consigo ir. Não consigo dizer coisas que não sejam verdadeiras e não consigo viver uma vida que não é minha para me inserir em uma outra.
Aí veêm as escolhas.
Não trabalhar fora foi uma decisão difícil, mas acertada. Uma escolha de vida. E uma recompensa que não imaginei que viria tão cedo de duas pessoas que mais amo na vida. As quais nunca me deixaram parar de sorrir. Que se transformavam no Palhaço picolé para me verem feliz. Ficaram em casa comigo os seis intermináveis meses. Sem sair. Nem passear.
Não sinto falta de viver rodeada de pessoas, apesar de ter amigas que não vendo, não troco e não alugo por nada nesse mundo. Não adianta insistir hehe.
Sinto falta de mais verdade na vida. De mais descobertas voltadas para si. De de mais risadas, gratidão. Aprenda a  amar a si, assim você compartilha amor. Enquanto alguns não prosperam, eu prefiro continuar curtindo a minha melhor companhia.
Na minha casa.
Comigo mesma.