terça-feira, 27 de outubro de 2015

O pão e a luz

Têm coisas na vida que a gente não esquece. Uma delas é andar de bicicleta, outra é o primeiro beijo. O pãozinho do lanche da noite do hospital era uma coisa que eu nunca vou esquecer. O pão do café da manhã geralmente era de forma, as vezes integral, outras branco. Mas o do café da noite que eles serviam de lanchinho antes de dormir, apesar de sono ser coisa rara, era um sucesso.
Eu, além de doces de todos os tipos, eu adoro um carboidrato, não sei ainda como não cheguei aos cem quilos. Tudo que é tipo de massa eu amo. Mas esse pãozinho não dava para descrever. Ele era pequeno, macio, docinho, parecia feito de algodão. Eles serviam as oito da noite. As sete e quarenta e cinco eu já sentava na cama, ajeitava a sonda, meu marido ajeitava a mesinha e ascendíamos a luz do quarto. Tudo pronto para esperar o lanchinho da noite. Dois paezinhos feitos de algodão e um copo de café com leite, outra coisa que eu amo.
Nessa fase eu já estava bem esfomeada, era um bom sinal, mas estava um pouco demais. Além do que, os corticóides abrem o apetite. As vezes me dava vontade de comer os reboco da parede.
E eu estava ali esperando o meu lanchinho.
Cinco para as oito bateram na porta, e como eu estava em isolamento e elas não podiam se aproximar de mim, meu marido pegava a bandeja.
Me ajeitei mais um pouco, do jeito que dava e levei um susto. Um pão e um copo de café.
- João, só tem um pão? Só mandaram um pão.
- Carol, um pão só não está bom?
-Não, é sempre dois. Um não mata a minha fome.
- Você quer que eu chame elas de volta e peça mais um?
- Claro- respondi.
E ele foi até o corredor e não as avistou mais. Voltou para o quarto e me disse que elas não estavam  no corredor entregando lanches. Nisso eu já havia terminado o primeiro pão.
- Eu ainda estou com fome.
- Você quer que eu pergunte na recepção e peça para ver se elas podem voltar aqui?
- Quero- respondi.
As moças já estavam na emergência entregando o lanche por lá. Outro andar.
- Carol, talvez elas não voltem, não sei se vai sobrar pão, o hospital está cheio. Mas vou torcer para que elas voltem, eu tenho certeza que ele pensou isso. Conheço ele. Ele conhece mais do que ninguém a minha teimosia e insistência.
Deu uns vinte minutos e bateram na porta.
- Trouxe paozinho para a princesa esfomeada- disse a copeira que já conhecia minha fama.
- A senhora se importa de deixar dois paes e mais um cafezinho, ela está com muita fome. - disse meu compreensível marido.
-Claro, sobrou alguns hoje, você também quer um?
-Quero- ele respondeu.
E nós ali estávamos fazendo uma ceia completa de Natal, farta. Ganhei três paes aquela noite. E ele dois. Eu estava muito feliz. Feliz com meus três pãezinhos.
Quando terminamos de comer, já estava quase começando a novela Salve Jorge, e eu não perdia um capítulo sequer. Eu sabia tudo, quem estava a fim de quem, quem iria morrer, sabia até o nome do maquiador, do cinegrafista. Eu adorava a Morena e o Théo. Eu esperava a novela como eu esperava o paozinho da noite.
Mas o que mais esperava era o meu marido chegar no hospital. Depois que meu irmão teve alta, ele revezava com a minha mãe as dormidas comigo. Ninguém mais podia se aproximar de mim. Visitas nem pensar. Mas eles me faziam feliz. E me faziam rir. Aqueles dois são capazes de transformar um funeral em um circo em questão de minutos.
Quando era o dia dele, ele chegava perto das sete da noite. Quando chegava as cinco o relógio parece que começava a parar, porque eu ficava olhando para o ele o tempo inteiro porque eu sabia que ele iria chegar. Ele iria abrir a porta e entrar. E eu sabia que seria ele, era o único que não batia na porta.
Todas as vezes que ele chegava, era como se entrasse uma luz junto. Uma alegria, uma energia contagiante que não sei descrever. Ele entrava sempre rindo, fazendo alguma piada, imitando alguém ou me elogiando, mesmo eu estando inchada e cheia de canos espalhados pelo corpo. Mesmo com a camisola com a logo do hospital ele dizia que eu estava linda. Eu sempre estava uma princesa. Eu vivia um conto de fadas, só que a princesa estava transplantada no hospital e o príncipe não tinha cavalo algum, e ia cuidar da princesa doente. Era um conto de fada as avessas. E eu em todos os momentos em que ele entrava no meu quarto, em todos mesmo, eu tinha vontade de rir e chorar, era uma mistura de sentimentos que não se explica.
Todas as vezes que ele entrava no meu quarto, entrava uma luz junto.
Ele realmente é uma pessoa iluminada e eu por ter ele do meu lado.
E todas as vezes que o via eu sabia que tinha feito a escolha certa.

A escolha do amor verdadeiro.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

O Reencontro

Vim tirar o pó do blog. Precisava escrever. Esse momento é único. Só meu. Um momento em que me dedico e me redescubro. Eu e as palavras, apenas. Nada mais.
Mas não queria falar de transplante, hemodiálise e melancolias. Queria escrever sobre amor. Calmo, generoso e intenso na medida como deve ser. Mas é incrível como tudo está interligado. Não tenho como separar fatos e acontecimentos que ocorreram em minha vida.
Desde que voltei a dançar depois de um período turbulento em minha vida, me apaixonei.
Sempre dancei, desde pequena. Do Ballet fui para o Jazz. E já adulta, era tempo de voltar a focar em outras coisas. As prioridades eram outras. Estudos, faculdade e uma surpreendente gravidez maravilhosa no meio de tudo. Uma coisa meio doida, impensada, imatura. As prioridades agora eram outras bem diferentes. Fraldas, mamadeiras, consultas médicas. Minhas e dele. A minha doença renal no auge. Não tinha opção. Nem ânimo.
Mas voltando a falar de amor, descobri tudo ter seu tempo. E eu precisei desse tempo. Meu corpo também precisava. A minha magreza assustava e muitas vezes eu me sentia incapaz. Debilitada, fraca, frágil. O sonho de voltar a dançar e me sentir feliz e bonita por dentro e por fora parecia tão distante. E impossível.
Mas a questão é não desistir e lutar. E principalmente não se intregar. E eu nunca me permiti isso. Inclusive levava minha mala de maquiagens, vestidos e camisolas para o hospital. Poderia até não usar todos os dias, mas sabiam que estavam lá. As minhas coisas, a minha vaidade. Aquilo que sou, que um dia perdi, mas que reencontrei.
Eis que há um tempo atrás resolvi me matricular novamente no Ballet.
Fui até a loja e sai carregada. Sapatilhas, collants, meia calça, saias delicadas e mais um monte de delicadezas que me tornariam uma bailarina. Uma disciplinada bailarina.
Mas roupas em si não bastavam. O Ballet exige muito mais que saias e sapatilhas. A dança exige muito mais que isso.
Exige postura, treino, disciplina, concentração. Dedicação. E amor.
E eu tinha tudo isso. Ainda tenho. A cada dia mais.
E a paixão se transformou em amor. Um amor difícil de explicar. A dança nos une, nos ensina e nos faz acreditar que somos capazes.
Ponta esticada, joelhos retos, mãos e braços leves. Olhar profundo. Dores. Resistência. E delicadeza.
A dança não trabalha só o corpo. Mas a alma. O eu interior. A nossa auto estima. A vontade de ir além. De seguir em frente. E de ultrapassar todos os limites. Quase impossíveis no início.
Mas com amor, a gente se resolve. Se entende. E se reencontra.
Basta uma boa música, leveza no olhar e firmeza na ponta dos pés.



quinta-feira, 23 de julho de 2015

A Conquista

No terceiro ano de Psicologia eu engravidei, e a doença apareceu logo que meu filho nasceu. Não consegui terminar a faculdade. Não tinha forças para isso. Nem motivação. Os estudos tinham ficado para trás naquele momento. Eu vivia para cuidar do meu filho pequeno, do meu marido, da casa e da minha doença. A minha ficha tinha demorado um pouco para cair. As adaptações, as mudanças. A tristeza, muitas vezes inevitável.
Passaram-se quase quatro anos, a doença estava controlada e em novembro de 2007 eu decidi que queria voltar a estudar. Acordei pensando nisso. Precisa daquilo. Estava com saudades das aulas. Das amizades. Da hora do lanche. Das risadas. Da leitura e principalmente da escrita.
Decidi então que queria me tornar professora. Não pensei em voltar para a Psicologia. Não sei explicar o porquê. Mas eu queria fazer Pedagogia. Era isso o que eu queria.
Me inscrevi e passei na prova. Comprei os cadernos, lápis, uma mochila.
Em fevereiro de 2008 iniciaram-se as aulas.
E fui. Com a cara e a coragem. Deixava meu filho no jardim de manhã cedo e ia para o meu mais novo desafio.
E confesso que fui uma das melhores coisas que fiz na vida. Meus professores, as aulas maravilhosas de Língua Materna e Educação Especial. Fiz amigas maravilhosas, conheci pessoas incríveis. Autores fantásticos. Li livros que me fizeram enxergar a vida de uma outra maneira. Os estágios também. Conheci um outro mundo. Um mundo diferente do meu. Em algumas escolas, as crianças iam de chinelo no inverno e as dez horas da manhã comiam macarrão com carne, porque entre muitas, seria a última refeição do dia. Eu me pegava olhando aquelas crianças e sabia que não estava alí por acaso. Alguma coisa muito forte me fez escolher aquele curso, fazer aquela prova e passar por aquelas situações. Tudo tão diferente da minha vida, da minha rotina. Em muitas vezes me peguei chorando num canto. Principalmente quando ouvia suas histórias, os desenhos tristes que elas faziam.  Mas criança é um ser enviado, especial.  Elas me ensinaram muitas coisas. Dentre elas, aproveitar e curtir as coisas simples da vida. Elas choram e logo depois, como se fosse uma mágica, estão rindo e brincando. Voltei a pular corda, ouvir histórias sem piscar, brincar na areia do parque. Voltei a fazer castelinhos. Voltei a focar em outras aventuras, em outras histórias, e me distanciar um pouco da minha rotina de hospitais, exames e incertezas.
Eu realmente não estava vivendo aquilo por acaso.
Foram quatro anos de faculdade. Muitos trabalhos, dedicação, leituras, dias difíceis, às vezes muito difíceis. Risadas. Se querem saber, como me diverti. Tive a sorte de estar rodeada de pessoas queridas, batalhadoras e muito esforçadas.
Um ano depois eu transplantei. Fiquei três meses sem poder ir para a sala de aula. A imunidade baixa não me permitia fazer isso. Mas meu marido buscava livros na biblioteca e eu fazia os trabalhos  em casa. Minhas amigas e meus professores me ajudaram muito. É  incrível como algumas pessoas têm a capacidade fantástica de se doar. De olhar pelo outro. Eu precisava de ajuda naquele momento. E eles me ajudaram. E nunca me cobraram nada por isso.
Voltei para as aulas em maio e foi um tempo difícil porque continuava com a imunidade baixa. Sentava na janela para ficar perto da ventilação. Não podia abraçar minhas amigas, nem os professores. Mas eles já sabiam, eu entrava na sala e eles me abanavam. Isso acabou virando uma  piada gostosa entre nós. Quando alguém espirrava, eu olhava para trás e elas começavam a rir. "Vamos passar gripe para a Carol". E eu nunca peguei nada. Acho que os vírus delas foram bonzinhos comigo.
Passou-se um tempo e eu só fui melhorando. Recuperei o conteúdo e estava feliz e empolgada com essa minha nova vida. Estava feliz. O rim da minha mãe estava a todo vapor. Funcionando. Filtrando. 
Minha vida tinha voltado ao normal. Mesmo com todos os cuidados que um transplante requer, eu estava ótima.
E em setembro demos início ao trabalho de conclusão de curso. Meu tema era "Socialização na Educação Infantil". Adoro esse tema e estava ansiosa para começar a me dedicar ao trabalho.
 
Mas no dia doze de setembro de 2010 eu não dormi bem. Passei a noite acordada, com náuseas, dor de cabeça e um pouco inchada. Voei para o hospital de manhã cedinho. Fui com a roupa do corpo, sozinha. Um mal estar bobo, pensei. Vão me colocar no soro e logo vou embora. Mas o plantonista, sabendo que eu era transplantada ligou para o meu nefrologista e os dois chegaram a conclusão que eu deveria fazer uma bateria de exames perante os meus sintomas e por ter feito um transplante um anos e sete meses atrás.
Os exames vieram. Eu estava na sala de recuperação aguardando. O meu nefrologista entra e me encaminha para uma biópsia do rim transplantado. Meus exames estavam péssimos.
E eu desabei. Desabei como o muro de Berlim.
A biópsia veio com o diagnóstico. Rejeição aguda. Eu havia perdido o rim.
E naquele momento, as minhas esperanças.
Fiquei trinta e um dias internada. Sem poder sair do quarto pois fiz uma medicação chamada Timoglobulina que baixa a minha imunidade de uma maneira que fiquei em uma bolha. Eu não poderia pegar um resfriado porque correria o risco de ter uma infeccção generalizada.
Certo dia, no hospital resolvi pesquisar sobre essa medicação e desisti. Desisti porque a internet é uma ferramenta maravilhosa, mas sempre confiei nos meus médicos. Eles sabiam o que estavam fazendo. E essa medicação era o melhor a ser feito naquele momento. Baixar minha imunidade para que a rejeição fosse controlada. Para que meus anticorpos se acalmassem um pouco. Em termos simples, era isso que estavam fazendo.
Confiar no seu médico é parte fundamental no tratamento de qualquer doença. Eu nunca duvidei deles. E o que eles me pediam, eu fazia. Eu obedecia.
No dia 14 de outubro de 2010 eu voltei para casa. Desci o elevador do hospital com a minha mãe. De máscara e cheia de presentes.
Quando saí na rua, me deu uma sensação tão maravilhosa que não sei descrever.
- O sol- falei.
- O que filha?
- O sol mãe... que lindo!
Naquele momento minha mãe percebeu do que se tratava. E me abraçou emocionada.
- Você agora, vai poder ver o sol todos os dias.  
Chegando em casa, comecei a olhar as coisas, sentir os cheiros, abraçar meu filho e meu marido. Essa é talvez a parte mais difícil de uma internação, seja ela longa ou curta. Ficar longe da família. Até porque eu sou extremamente caseira. Gosto mesmo é da minha casa. Do meu canto. Então estar de volta ao meu lar, foi para mim, a parte mais emocionante.
E novamente as coisas foram voltando ao normal. Minha vida estava a ser o que era. Eu podia regar as plantas. Cuidar do meu filho e do meu marido.  Mas a medicação que havia feito abaixa muito a imunidade e durante  alguns meses não poderia sair de casa.
O trabalho de conclusão. Eu tinha o meu trabalho para entregar. Em dezembro. Com data e hora marcada.  Pensei em trancar a faculdade e deixar a vida me levar.
Mas resolvi fazer algo diferente, liguei para minha coordenadora, e pedi que me ajudasse. Eu queria fazer o trabalho, queria terminar o curso. Queria me formar. Queria o diploma de professora.
E ela me ajudou. Como uma mãe. Não foi um período fácil. Precisei muito de ajuda. Mas consegui. Meu marido buscava livros e livros para mim na biblioteca e minhas amigas também me ajudaram.
E fui escrevendo em casa. E aquilo de certa maneira foi ótimo porque me tirou um pouco do foco daquilo que estava vivendo. Dos efeitos daquela medicação.
O trabalho ficou pronto. Com muita coragem me apresentei para a banca.
E logo veio o resultado. Passei. E a única certeza que tinha é que meu diploma estava próximo.
Saímos para comemorar na noite da apresentação. Motivos não faltavam.
Minha formatura foi em abril de 2011. Aquela correria, a gente se preparando, convites, cabelo, vestido. Eu estava muito feliz. Meus exames estavam ruins. Mas a rejeição estava controlada e eu estava bem fisicamente. Mas sempre fazendo exames. Nunca deixei de me cuidar.
Chegou o dia da colação de grau. Me arrumei toda. Estava nervosa. Era uma conquista importante para mim.
Passados os discursos, a oração, todo o protocolo, de repente escuto um zumzumzum entre minhas amigas, duas delas. A Reitora da faculdade começou a falar que gostaria de homenagear uma pessoa em especial. Pela luta, pela dedicação.
E falou meu nome.
- Carolina, em nome de todos aqui te parabenizo, você é uma mulher forte, guerreira. Se formou com louvor. Com mérito. Com esforço e dedicação. Parabéns. E falou mais uma imensidão de palavras lindas, mas que sinceramente, não consegui gravar.
Só me lembro de abaixar a cabeça e chorar. Um choro  misturado com alegria, superação.
Algumas coisas passaram na minha mente. Algumas lembranças.
Mas não dava muito tempo, porque já estava na hora de jogar o capelo para o alto e gritar.
E comemorar minha nova e gigantesca conquista.


domingo, 28 de junho de 2015

Melancolia

Mesmo que tentamos, mesmo que queremos, não conseguimos ser felizes vinte e quatro horas por dia. Sete dias na semana.
Bom se fosse. Todo mundo seria feliz, alegre, sorridente. Bem como diz Vinícius de Moraes : "É bem melhor ser alegre do que triste."
Só que com o turbilhão de meteoros caindo sobre nossas vidas diariamente, fica difícil evitar, resistir ou esconder um estado de tristeza. É o filho que fica doente, o dia chuvoso e cinzento, as perdas e as pedras em nosso caminho.
A tristeza é inevitável. O estado de melancolia é sugestivo quando nos encontramos tristes.
E é na tristeza, mesmo sendo algo um pouco incompreensível, é que conseguimos muitas vezes reagir e voltarmos a ter estados de alegria.
Evitar a tristeza ou maquiá-la é produto da sociedade moderna. Nunca se vendeu tanto anti depressivos como hoje em dia. Mas, claro, cada caso é um caso. Eu sofri de melancolia profunda na Hemodiálise e ela se transformou em depressão. Então o melhor é procurar ajuda profissional.
Mas a melancolia, a tristeza a qual me refiro tem a ver muito com a cobrança que sofremos diariamente. Como se tivéssemos que ser felizes, termos famílias felizes, filhos felizes o tempo inteiro. Sabemos que isso, em tempo integral é impossível.
Até porque, é nos momentos de tristeza que conseguimos refletir. E tentar entender e compreender do porquê se está triste. É talvez o momento de nos olharmos. De enterdemos nosso eu. Nosso corpo e nossa alma. Esse é o momento crucial para voltarmos para si.
Evitar a tristeza virou obsessão, mas é através dela que nosso me mecanismo psíquico nos dá oportunidades de buscarmos soluções.
Pesquisas feitas recentemente mostram que as redes sociais têm causado mais tristeza do que alegria nas pessoas.
Fotos de viagens, lugares paradisíacos, aquele buquê de flores que você não esperava ganhar. Aquele domingo feliz onde a família está reunida e todos sorrindo felizes...
Eu adoro redes sociais e posto fotos sim. De diferentes tipos e lugares. São momentos felizes. Mas eu e outras tantas pessoas que postam coisas alegres, bonitas e felizes, lugares incríveis, também têm momentos de tristeza. Somos humanos.
Ter uma rede social para postar fotos de enterros, pessoas chorando e vídeos de violência não nos leva a lugar nenhum. Basta ligar a televisão. Muito melhor postar coisas boas, engraçadas, frases que nos façam refletir. Assim passamos energia boa para a pessoa do outro lado. Passamos luz.
Escuto muito falar em inveja. Mas não acredito nisso. A inveja, se existe, só faz mal a quem a sente.
Cada foto que vejo de um momento feliz de alguém ou de uma viagem fico feliz. Às vezes é como se viajássemos com a pessoa.
Vamos olhar para o outro, para imagens, textos, para as nossa angústias e tentar entendê-las.
E sem julgar o próximo, tentar ser feliz. Com o que temos. Com aquilo que somos.
Olhar para si e tentar novamente.
Os momentos de melancolia aparecerão.
Mas estar feliz com certeza é bem melhor do que estar triste.
E termino com uma frase que desconheço o autor:
"Aprendi que não posso escolher como me sinto, mas posso escolher o que fazer a respeito".




quinta-feira, 18 de junho de 2015

Gratas surpresas

Não amanheci bem naquele dia. Estava me sentindo feia e inchada. Cheia de canos e carrinhos sem fim. Mas o rim transplantado estava perfeitamente funcionando. E eu mentalizava isso para  progredir. Para me ajudar. Para elevar minha auto estima.
Eis que alguém bate na porta. Eu estava sozinha naquele momento.
- Com licença. Como está Carol?
Meu cirurgião...
- Bem...estou cansada, inchada, não tenho apetite. Minhas costas doem de ficar deitada. Não posso sair do quarto, minha imunidade está muito baixa. Tenho saudades Dr.. Da minha casa, minha cama, do meu filho, minha cachorra. Tenho saudades da minha vida. Do meu lar.
A minha auto estima estava péssima.
- Quantos dias fazem que você internou?
- Vinte e dois.
- Por que você não pede uma autorização para seu filho vir te ver?
- Não quero que ele me veja assim Dr.!
- Pois eu acho que vai ficar impressionado sim, mas vai ter uma imagem ainda mais forte da mãe guerreira e lutadora que ele tem. Ele só tem motivos para ter orgulho de você!
E as minhas lágrimas pularam, molharam a minha camisola. Solucei como há tempos não fazia.
- Não vou te dar um abraço porque não posso chegar perto de você. Mas pense no que te disse. E tudo vai dar certo. Acredite.
E se foi. Fechou a porta e levou consigo toda aquela esperança, aquela alegria contagiante, aquele bom humor. 
Meu marido veio para dormir comigo e de manhã acordei um pouco melhor. Já esboçava um sorriso. Tirei a camisola do hospital e coloquei uma camisola azul turquesa. Que eu desenhei e minha costureira fez para mim. Era linda, delicada. Arrumei o cabelo e passei um batom.
Saí do banheiro e meu marido faz aquela pergunta:
- Aonde vai bonita assim?
- Vou deitar na cama e esperar o café. É o que me resta.
E começamos a gargalhar. Da situação. Do meu mal humor (coisa que não me pertence), de eu esperar sempre pela comida. Era a única coisa diferente que acontecia. E esperava também a novela Salve Jorge. Não perdia um minuto do Theo e da Morena. Dois chatos, mas eu torcia por eles. Torço sempre pelo amor no final.
Terminei meu café, coloquei minha máscara e fiquei deitada. Pensei no meu filho novamente. Meu coração sangrava por dentro. E comecei a falar com meu marido sobre a idéia do médico.
E a porta bate:
- Bom dia Carolzinha...nossa aonde vai bonita assim?
Minha médica clínica.
- Ai Dra. eu posso estar tudo, menos bonita.
- Você quer ir para casa?
Aquilo parecia meio surreal, sei lá, demorei para internalizar aquela frase.
- Carol, seus exames já chegaram e está tudo perfeito. Chegou a hora. Você vai voltar para casa.
Dia 10 de novembro de 2012 eu voltei para casa. Não podia abraçar ninguém, muito menos pular, mas estava voltando a ser a Carolina que só eu sei que existe. E isso me fascinava.
Arrumamos tudo. A enfermeira tirou todos os acessórios que enfeitavam meu braço. E partimos.
Na saída do quarto avistei as enfermeiras e chorando, me despedi. Agradeci a todas, mesmo sem poder tocá-las. Sei que sentiram a minha energia.
E voltamos para casa, rumo ao meu refúgio, ao meu lar. 
Pedi no caminho, para meu marido, que quando fosse buscar nosso filho na escola não falasse que eu iria estar em casa. É uma surpresa.
Ele chegou da escola, todo sujo, normal para uma criança de 9 anos. 
-Filho, vamos trocar de roupa e lavar bem o rosto e as mãos, com sabão hein?
- Tá bom pai, mas porquê?
- Você já vai ver.
E eu estava escondida no lavabo da sala, cheia de dor, louca para sentar no sofá. Mas estava feliz. E era isso que importava. Só isso. Nada mais.
Quando ele desceu as escadas, sentou na mesa para almoçar. Minha mãe estava junto. E eu apareci. 
-Mãaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaae!!! Você voltou! Agora nossa família está completa de novo.
Eu não conseguia falar muito, mas meu coração conseguia sentir. A maior alegria da minha vida. Reencontrar quem eu mais amo nessa vida. Alguém que lutou bravamente para nascer no meio do caos. Meu lutador de judô preferido. Palmeirense fanático.
Logo estou nas arquibancadas gritando teu nome.
Orgulho de você filho. De você e da nossa família...
Que quase não cabe dentro de mim.

sábado, 6 de junho de 2015

Partir

As vezes é preciso partir.
Parto porque necessito de outras estações, de outros cheiros, de outros mundos.
Parto porque necessito conhecer outras flores, cores. E outros sabores.
Saio para descobrir novos ares. Descobrir novas pessoas. Parto para sair de mim rumo ao desconhecido.
Me torno plenamente feliz quando me desentegro de mim mesma e busco descobrir uma nova face. A qual busco conhecer.
Parto porque algumas roupas não me servem mais, algumas pessoas não me interessam mais. Já não falamos mais as mesmas palavras. Não temos mais os mesmos gostos. E quando perde o sabor, o cheiro, o encanto, é preciso partir.
Parto porque quero conhecer o mundo. Um outro mundo. Um novo mundo.
Tirar novas fotografias. Milhares de fotografias. São elas que ficam. As lembranças. Tão nossas. Tão únicas, que nos aproximam ao mesmo tempo de um passado feliz e doce e de um futuro incerto e duvidoso.
Quero ser amada em Dublin, andar descalça no túnel de Cherry Blossom, caminhar nos Campos de lavanda, me perder em Nova York.
Quero uma janela enorme para o mar. E amar.
Cercada de cachorros, quero viver, me perder e me reencontar.
Mas as vezes é preciso partir, porque partir é muito mais que me ausentar ou abandonar minhas origens. Minha vida. Meu eu.
Partir é importante, porque assim descubro verdadeiramente se um dia quero voltar.
Partir é importante, mesmo que seja para descobrir que meu lugar é aqui.
E que, ao lado homem que amo, aqui devo ficar.






domingo, 17 de maio de 2015

A espera


Têm coisas na vida que me deixam maluca. E uma delas é esperar.
Esperar receber o telefonema de alguém.
Esperar uma notícia que não chega, uma voz que não sai, um telefone que não toca.
Esperar por natureza já é uma coisa que o ser humano não tolera muito. Eu me considero um pouco diferente da maioria, mas esperar é uma coisa angustiante. E me incluo nessa lista.
Esperar na fila do banco, na padaria. Esperar o avião decolar. A nota sair. A música começar.
Esperar eu descobri não fazer bem para o meu coração. Esperar dói, irrita.
Quatro meses de hemodiálise, a minha anemia estava  dando trégua, o meu peso estava gradativamente subindo e o meu médico fala pela primeira vez na palavra transplante.
Eu fiquei feliz demais. Foram quatro meses em silêncio. Meu e dele. Ele sabia que eu queria fazer um novo transplante e esperou a hora certa de falar. Quando ele estivesse certo daquilo que estava falando. Quando o transplante voltasse a ser uma possível realidade para mim. E para a equipe. Porque para tudo na vida existe um momento certo. E esse momento havia chegado.
- Carol, você quer fazer um novo transplante?
- É o que eu mais quero na vida.
E consegui esboçar um sorriso.
-Vamos procurar um doador. Como seu painel é alto tem que ser doador vivo. Vamos procurar na sua família novamente?
Eu estava feliz demais.
- Claro Dr., vamos a caça desse rim. E eu vou encontrá-lo. Prometo.
Me tornei a detetive mais empenhada das melhores séries americanas.
- Seu pai não pode doar porque é cardíaco. Vamos começar pelos seus irmãos?
- Sim, claro. Eu estava motivada novamente. Motivada a encontrar o meu tão sonhado rim.
Motivada a ter a minha vida de volta.
- Vamos fazer o exame de compatibilidade. Marque um horário para os dois virem junto com você.
E eles fizeram. Junto comigo. No dia marcado. Meus irmãos estavam ali. Dispostos a me ajudar. Estavam alí esperando a enfermeira chamar para tirar o sangue.
A minha esperança era um coisa absurda. Eu sabia que um retransplante era mais complicado, mas eu estava acreditando. Iria dar certo. Eu sabia que sim.
O exame de compatibilidade sanguínea é um pouco complexo. Algumas pessoas acham que é só ter o mesmo tipo de sangue, mas não é. É uma riqueza de detalhes. Um mar de possibilidades.
Após cada um coletar os exames, nos despedimos e cada um seguiu seu caminho. No momento da coleta eu sempre pergunto para a enfermeira se ela deixou algum sangue dentro de mim, porque para esses exame são necessários vários tubos. E cheios. As vezes eu não tenho o que falar e falo besteira. Talvez para descontrair. Eu não ligo a mínima para tirar sangue. Até porque depois que te perfuram a fístula com a agulha de hemodiálise calibre trinta e oito, você acha todas as outras agulhas do mundo a coisa mais sem graça. Então tirar sangue hoje pra mim é meio chato e entediante. Tem gente que desmaia e faz o maior fiasco. Eu tenho uma amiga de infância que é assim. Não pode ver agulha. Depois ela passa mal, fica a branca de neve e acaba deitada na maca. Eu quero estar viva para um dia ir com ela tirar sangue. Quero ver a cena. E se ela permitir, registrar.
Certa vez eu estava internada e a enfermeira queria tirar sangue do meu pé porque eu não tinha mais veia no braço. Essa minha amiga tinha ido me visitar. Que sorte a dela, pensei rindo. Então eu disse para a enfermeira:
- Que pé você vai furar? Acho que o esquerdo é melhor. Eu ainda dava dicas. E eu que não reclamo de agulha confesso que tirar sangue do pé é um pouco mais dolorido do que no braço.
Não demorou nem dois segundos, a minha amiga olhou para mim e disse:
- Caro, daqui a pouco eu volto.
E saiu do quarto.
Depois ela voltou e rimos muito. Rimos alto. Da situação. Dela ser assim e eu não. Depois que ela foi embora eu fiquei pensando na vida e como eu tenho a sorte de ter pessoas tão maravilhosas me cercando. Como é bom ter com quem rir, chorar, dividir, caminhar. Eu sou uma pessoa que não gosta de ficar sozinha. Detesto a palavra solidão. Nem que seja a minha cachorra.  Mas gosto de sentir que tem vida ao meu redor. De saber que alguém se importa comigo. Que me ouve, me entende e me compreende. Pode ser a respiração. Mas você sabe que não está sozinho.
Voltando ao dia do exame lembrei de agradecer meus irmãos. Eu precisava agradecer. Eu precisava fazer isso. Mesmo que o exame desse negativo. Não importa, eles estavam ali. E para mim isso já era um ato de amor. Naquele momento em que foram tirar sangue eles já estavam se doando. Mesmo que não percebessem.
Mas eu percebi.
E fomos embora.
Agora era eu e o tempo. Só nós dois. E a espera. A terrível espera.
Entre quinze e vinte dias aproximadamente levaria o exame. Para mim era como dizer seis meses a um ano. Mas não dá para ser antes? Eu não fiz essa pergunta porque eu sou uma pessoa que detesta pedir coisas. De pedir favor. De dar um jeitinho. Mas eu, dessa vez, queria pedir. Implorar. Para amanhã não dá? Eu mesma vou até Curitiba buscar o exame. Amanhã eu estou lá. De manhã.
Mas eu não pedi. Foram dezoito dias. Dias de angústia, ansiedade e sofrimento. Um sofrimento diferente, que não sei descrever. Cada toque de telefone eu pulava do sofá. Mas era a minha mãe, meu pai, meu marido, a mãe de um amiguinho, o rapaz que entrega água.
Esperar um telefonema de alguém que vai te dizer se o seu irmão ou a sua irmã são compatíveis com você, e que, se der positivo eu sairia da hemodiálise e começaria uma nova vida...e se, e se e se.
Eu estava bem doida. Bem confiante, cada vez mais magra e ansiosa.
Nessa época eu estava com quarenta e quatro quilos. Não me lembro de ter tido esse peso um dia. Talvez quando entrei na adolescência. Porque quando eu sai, com certeza estava com uns oitenta. O meu grande pecado é a gula por doces. Eu adoro ir a casamentos. Mas não é para ver a noiva. Nem a missa. O meu olhar é para a mesa dos doces. É a minha televisão de cachorro. A hora de cortar o bolo então, eu estou sempre do lado esperando um pedacinho.
O meu grande mal são os doces com toda certeza. O sal eu me adaptei muito bem. Hoje se como algo mais salgado estranho muito. O sal hoje pra mim é um pitada, aprendi que o sabor pode vir de outros alimentos como alho, cebola e folhas verdes. Não sei se eu teria a mesma facilidade em retirar os doces. Talvez sim, mas prefiro não pensar nisso.
O meu telefone toca. Junho de 2012.  O meu coração dispara. Olhei no identificador. Era a minha mãe. Mas eu não estava esperando a minha mãe ligar. Eu já havia falado com ela nesse dia. O que ela queria? Falar que eu estou magrinha e que eu deveria me alimentar melhor? Perguntar como foi a hemodiálise? Mas hoje eu não tive hemodiálise.
Não era bem a minha mãe que eu estava esperando ligar.
Mas atendi:
-Oi mãe...
- Tudo bem com você? Ela estava bem empolgada e eu já tinha falado com ela.
- Tudo indo. Eu sempre detestei quem falasse isso. Tudo indo. Não existe frase pior que essa.
Mas era o que eu tinha para dizer naquele momento.
- Tenho uma notícia para te dar - ela estava diferente, com uma voz que nunca teve antes. Um jeito de falar diferente. 
O exame. Me veio de repente na cabeça. Mas não pode ser. Como ela iria saber o resultado? Eles iriam ligar para mim. Da outra vez foi assim. Eu recebi o telefonema do hospital de Curitiba e liguei para ela. Eu dei o resultado. Eu era a paciente.
- Mãe...
- Filha, eu já sei o resultado...
Eu fiquei em silêncio por alguns segundos. Não conseguia raciocinar. Minha visão ficou embaralhada. Minhas pernas amoleceram e eu sentei no chão da sala. No tapete ao lado da minha cachorra.
- Mãe...
- Filha, você é uma pessoa realmente abençoada. Iluminada. Você é um anjo. O meu anjo...
- Mãe...
-Pode se preparar para o teu transplante.
- Não acredito, deu positivo? Eu não estava acreditando. Ela estava brincando. Só podia.
- Deu filha.
- Quem vai ser o doador?
- Os dois deram positivo. Os dois. Seus dois irmãos são compatíveis.
- Não pode ser - pensei.
- Mas o seu irmão é mais. Compatibilidade perfeita. Como se fosse seu irmão gêmeo.
E ficamos conversando. Por vários e vários minutos. Sem pressa. Sem rumo. Quem iria se preocupar em pagar aquela ligação? Nenhum dinheiro nesse mundo pagaria aquela ligação.
Choramos muito, mas no final, voltamos a sorrir.
A espera havia acabado.
O tempo agora era outro. 
E estava do nosso lado.












terça-feira, 24 de março de 2015

Case-se

O termo casar nunca esteve tão fora de moda. Mas também não vivemos isolados. Perdidos em uma ilha longe da ternura humana. Da afetividade, do calor, do ombro e do cheiro do outro.
Somos um. Mas é melhor ser dois. Com toda certeza desse mundo é melhor viver a dois.
E ser dois em algum momento de nossas vidas, é também ter. É ter alguém com quem dividir, compartilhar, amar, brigar e se reconciliar. Como se nada tivesse acontecido. Como se em um piscar de olhos, aquilo que aconteceu há cinco minutos não tivesse, de fato, acontecido.
É bom ter com quem dividir a cama, o último brigadeiro e principalmente as nossas frustrações, nossas dores e nossos momentos felizes. Só quem nos ama verdadeiramente consegue suportar o turbilhão de emoções que nos são arremeçadas como meteoros todos os dias.
O amor verdadeiro não olha para trás quando descobre que você existe. E nem desiste. O amor verdadeiro é calmo, paciente e generoso. O amor de verdade cuida e te espera sair do hospital transplantada, com a casa enfeitada, cheia de balões e uma placa daquelas de EVA bem baratinha mesmo, com os dizeres "Bem vinda ao Lar".
Há pessoas que vivem muito bem sozinhas. Gostam disso. Dessa descomplicação, desse viver intensamente, sem compromisso, desse viver sem ter que trocar e sem ter que dividir.
Eu gosto de dividir.
Principalmente o meu coração. Ele as vezes fica dividido...eu enforco ele porque veio do futebol e deixou a casa cheia daquelas bolinhas pretas provenientes da amada e cheirosa chuteira. Ou se recebo ele com um abraço apertado e uma janta gostosa e esqueço por trinta segundos das bolinhas. Eu prefiro o abraço. Porque cansa conviver com alguém pegando no seu pé. Cansa conviver com alguém que vive te criticando e achando defeitos nas coisas que você faz. Ou não faz.
Case-se com alguém que goste de você. Do jeito que você é.
Case-se com alguém que te respeite e te admire.
Case-se com alguém que te acha linda de calcinha bege.
Case-se com alguém que te ama com a barba mal feita.
Case-se com alguém que não reclame das tuas celulites.
Case-se com alguém que te acha a pessoa mais especial do mundo. Mesmo que você esteja no seu pior dia.
Case-se com alguém...
Mesmo que esse alguém seja você mesmo.



Fevereiro de 2009.


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Nome

Quando eu nasci, minha mãe e meu pai não sabiam se era menino ou menina. E não tinham pensando em um nome. Então vim ao mundo. Minha avó Odete foi me visitar no mesmo dia e disse:
- Filha, ela tem rostinho de Carolina. Ela é doce. Tranquila.
Pronto. O nome estava definido. E eu me chamaria para o resto da vida Carolina. Mas minha avó nunca me chamou de Carolina, ficou Carola. Até o último dia de suas vidas.
Eu tenho mais apelidos do que esmaltes. Lola, Lolita, Caro, Carol, Carola, manhêêêê. Meu pai me chama de Sarnapim, mas essa parte pula...
O nosso nome é algo tão singular, que é até difícil de explicar. É simplesmente algo que nos define.
É a nossa identidade. E identidade nada mais é um conceito que parte da idéia de distinção.
Mesmo existindo um mundo a parte de Carolinas. Eu sou a Carolina. Tenho a minha maneira de ser, pensar e agir. Tenho minhas características físicas, meu cabelo, minhas tatuagens, minha pele, meus gostos. Tudo isso me torna não uma Carolina, mas sim a Carolina.
Durante minha aborrecência eu sismei com meu nome. Existia um paquita chamada Bianca, e eu perguntava para a minha mãe porque ela não havia me dado esse nome. Bianca.
- Não filha você é Carolina e seu nome é lindo. Esqueça essa história de Bianca. Seu nome significa mulher doce. Você um dia vai gostar dele.
O nome é a primeira palavra que aprendemos a escrever. A esboçar.
E isso é tão formidável que as crianças antes mesmo de saber escrever o próprio nome dirigem a si mesmas pelo nome. Tive um aluno que dizia:
- Tia Carolina, essa mala é do Pedro? E o Pedro era ele. Faz parte do desenvolvimento da aprendizagem da linguagem e do entendimento de si mesmo. De se reconhecer e de se diferenciar perante os colegas falando o seu nome. Porque ele tem uma enorme importância.
Eu passava o dia desenhando meu nome. Tanto que até hoje meu C é todo rebuscado.
C de Carolina.
Amo esse nome.
É nele que me reconheço. Que me envolvo. Que me identifico e principalmente me diferencio do outro e das outras tantas Carolinas por aí...
O nosso nome é único. E ter orgulho dele é o que nos define.
Podem apagar o que quiserem, mas jamais conseguirão apagar o nosso nome. Aquilo que somos e o que deixaremos.
Não sobrenome. Há quem dê importância.
Nome. Meu nome. O nosso nome.
Só existe uma Carolina.
Só existe um de nós.
Uma única história.
E é isso que realmente importa.
Que nosso nome e que nossa história seja única.
Em nossos atos, crenças e principalmente em nossas atitudes.

Beijo no coração!







segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O luto


 A minha ficha ainda não tinha caído. Eu ainda acreditava viver o sonho de um transplante bem realizado. Feliz. Sonho de viver normalmente como uma pessoa qualquer. Viajar, sair para beber, ter disposição e ânimo para enfrentar mais um dia. 
Mas a partir daí, as coisas tomaram um rumo bem diferente. Eu ainda estava vivendo o luto da perda do rim. Eu e minha mãe. Todos ao nosso redor sofriam. Mas a doação foi entre nós duas. Nós duas fomos para o centro cirúrgico, nós duas íamos nas consultas. Éramos como uma só.
Geralmente as pessoas têm um tempo de elaborar uma perda. De viver o luto. De conseguir elaborar uma tristeza profunda. De aceitar. Ou não.
Mas eu não tive tempo. A diálise estava perto. Na outra semana. Com horário marcado.
Terças, quintas e sábados. Das seis às dez da manhã.
E o dia chegou. Dia vinte e dois de março de 2012. O dia em que eu comecei a diálise.
Levantei às cinco da manhã, comi alguma coisa, me arrumei. Não sabia nem se poderia ter comido, o que vestir e o que me esperava. Coloquei uma blusa da Minnie e uma calça preta bailarina. E nos pés uma sapatilha cor de rosa. Eu sempre gostei de rosa e gosto até hoje. Eu carrego muitas coisas da minha infância, e a minha paixão por cachorros, brigadeiro e cor de rosa são algumas delas.
Peguei meu carro e parti rumo ao meu destino. Meu destino de dois em dois dias. Sem poder faltar. Nem ter preguiça de ir. Nem desculpas. Não se falta hemodiálise por nada nesse mundo porque simplesmente não dá, o inchaço toma conta e o líquido começa a se espalhar e pode ir para o pulmão.
É um caminho algumas vezes sem volta. Ou não.
A rua estava bem vazia. Poucas pessoas, talvez saindo de uma balada. Um homem dormindo no chão. E dois carros de polícia andando bem devagar. Fiquei mais segura por um momento. Eu ainda acredito e confio na polícia. Não estava sozinha, pensei.
 Chegando perto da fundação, passei por uma fábrica e ali me senti bem mais segura. Várias pessoas indo trabalhar. Algumas voltando para casa. E muitas bicicletas. Homens indo para o trabalho pesado de uma fábrica às cinco da manhã. E de bicicleta. E eu reclamando. Me senti um pouco egoísta naquele momento. Mas eu não estava indo trabalhar. Eu com certeza preferia estar no lugar daqueles homens. Preferia estar indo ás cinco da manhã de bicicleta na chuva para o trabalho pesado na fábrica. Com certeza preferia.
Estava com medo e muito ansiosa. Ansiedade é meu terceiro sobrenome depois do de casada. Eu sabia aonde era o meu destino porque a fundação já era minha segunda casa. Cheguei, estacionei o meu carro. Ninguém na recepção. Claro, as cinco da manhã, geralmente as pessoas dormem. Pelo menos a maioria.
Então subi as escadas. Um andar. E cheguei em frente a placa "HEMODIÁLISE".
Agora não tinha mais volta.
Entrei meio tímida e disse para uma enfermeira:
- Bom dia.
Nossa, eu ainda estava bem humorada, porque levantar as cinco da manhã quando você vai viajar é uma coisa, mas levantar as cinco da manhã para ir fazer hemodiálise é outra bem diferente. Uma coisa de gente muito bem resolvida. Ou doida.
- Bom dia - disse ela.
- Qual é o seu nome?
-Carolina. Mas o pessoal aqui me chama de Carol.
-Carol, você vai tirar quanto hoje?
- Como assim quanto vou tirar?
- Quantos quilos você vai tirar? - voltou a perguntar.
Será que eu estava no lugar certo? Era uma clínica de hemodiálise ou de emagrecimento? Eu queria perder uns dois quilos, mas eu não estava entendendo o que ela queria.
- Eu não sei- respondi.
- É minha primeira diálise hoje.
- Você urina ainda?
-Um pouco - respondi.
- Vou ver então com a enfermeira chefe.
Voltou em instantes e falou:
- Vamos tirar um quilo hoje. Vou programar a máquina para retirar um quilo (na verdade um litro). Quando você sair da diálise se pesa. Quando voltar na próxima sessão você se pesa novamente. Terá sempre de manter o peso.
Era muita informação para poucos minutos. E a diálise ainda nem havia começado.
Seis e quinze da manhã. E eu esperando.
- Pode encostar na poltrona. Vou puncionar sua fístula.
Aquilo não soou bem. Eu sabia que era o primeiro dia de muitos. Ou de muitas. Muitas diálises. E muitas picadas.
Examinou a minha fístula e buscou o material.
 Limpou bem com álcool e tirou a agulha do plástico. A agulha de hemodiálise se parece mais com uma lança do que propriamente com uma agulha.
- Respire fundo. Vai doer um pouco. Não puxe o braço.
Não puxei o braço, respirei fundo e doeu muito. Quando eu quero eu sou bem obediente.
Na verdade não era uma dor física. Era uma dor emocional. Do fundo do coração. Uma dor que não tem nomenclatura, nem descrição.
A enfermeira conectou vários fios e tudo começou a funcionar. A diálise havia começado. O meu sangue estava sendo limpo. Mas o meu coração estava sendo despedaçado. E o da minha mãe, mesmo dormindo naquele horário, também estava. Eu sei que estava.
- Hoje você só faz duas horas- disse ela.
- Porque?
- A primeira diálise é sempre duas horas, vamos ver como você reage. A próxima será de três e aí sim na terceira você inicia as quatro horas padrão.
As seis e meia eu iniciei a hemodiálise. Foram duas horas. Duas horas que passaram rápido. E eu passei muito bem. Não saí tonta, nem enjoada. Saí como eu entrei. Fui me pesar como ela havia pedido. Um quilo a menos na balança. Bom se a aquela máquina tirasse gordura. Bom se fosse um quilo. Na verdade era um litro. Um litro de líquidos misturado com toxinas.
Eu só queria ir embora. Voltar para casa.
E voltei.
Três semanas depois, eu levantei as cinco da manhã para mais uma sessão. Como de rotina a primeira coisa que sempre fazia ao levantar era urinar. Mas não saiu nada. Nada. Nem uma gota. Achei estranho.
Comentei com um médico na diálise horas depois e ele disse:
- Isso é comum. Muitas pessoas em hemodiálise param de urinar. Agora você tem que cuidar muito com líquidos. Como você não urina mais não pode mais tomar água como antes. Nem tomar sopa. Nem nada que tenha muito líquido. É muito perigoso. Você vai inchar e o líquido pode ir para o pulmão. Os líquidos.
Lembre-se disso. Não ingira líquidos.
Bem vinda ao clube Carolina.  
E eu estava agora sem poder tomar água. Nem sopa, nem gelatina, nem suco. Eu não esperava escutar isso. Ninguém nesse mundo deveria escutar isso. Dói mais que cortar a mão com papel.
- Dr., não dá para fazer o transplante logo não?
Na verdade eu queria dizer que eles podiam pegar outro rim, de qualquer pessoa, eu estava preparada para outro transplante. Podem marcar. Eu tenho tempo na agenda. Já sou pós graduada em sondas e agulhas. Eu conheço um bisturi como ninguém. Eu mesma posso fazer  o transplante. Já vi vários vídeos. Já sei como é. Vai dar certo. Eu garanto. Eu só quero ter minha vida de volta, voltar a urinar e tomar água. Eu tenho sede. Muita sede. Com o transplante eu volto a ser eu e não incomodo mais ninguém. A minha mãe e o meu pai não iria mais chorar cada vez que eu chegasse da diálise. Eu voltaria a ter disposição. Voltar a cuidar da minha casa. Do meu marido. Do meu filho. Da minha cachorra. Eles precisam de mim. Todos os dias. Eu posso qualquer dia. Podem marcar.
Eu estou pronta.
Mas eu emiti apenas um...
-Dr., por favor?
- Carol, não é simples fazer um transplante. No momento não vamos pensar nisso. No seu caso é um retransplante, mais complicado ainda. E você está muito anêmica. Está perdendo peso. Temos que tratar várias coisas primeiro. E seu painel deve estar alto. Tem que ser alguém com uma compatibilidade muito grande. Maior que sua mãe.
Mas eu iria encontrar alguém.
Essa era a única certeza que eu tinha naquele momento.
E ali começou a minha busca.
A minha incansável busca por um novo e saudável rim.