segunda-feira, 10 de julho de 2017

Sobre idealizar

Eu cresci ouvindo rock"n roll. Meu irmão mais velho sempre ouvia. O dia inteiro. Todos os dias da semana. E eu, como sempre tive uma imensa admiração por ele entrava na onda. Ele sempre foi minha referência. Meu porto seguro. Minha inspiração. Eu só não copiava tudo dele porque eu sempre fui muito menininha, adorava usar vestidos, laços no cabelo, bota da Xuxa, frufrus incontáveis para o cabelo que sempre foi comprido. Eu gostava mesmo era de brincar de boneca. Eu muitas vezes criava as roupas delas. Fazia penteados diferentes. Gostava de brincar de desfile de moda, elático, amarelinha. Eu sempre fui e continuo bem feminina. Feminista nunca, mas feminina. Gosto do cabelo escovado, comprido. Gosto de vestir saias de tule e passar batom. Eu posso ficar horas na frente da minha penteadeira me arrumando. Minha avó era assim. Ela tinha uma penteadeira linda cheia de coisas em cima dela. E eu usava tudo. Hoje eu tenho a minha e todas as vezes que me olho no espelho sei que ela está em algum lugar me observando. Ela era extremamente vaidosa, na medida certa. E eu sou também. Gosto de ballet. O dia de dançar é meu. E é único. Coloco minha sapatilha, meu laço no cabelo e visto minha melhor roupa. A minha alegria em viver.
Mas apesar de tudo isso, eu também queria ficar com o meu irmão. Então eu largava por um tempo as bonecas e a minha infinidade de bugigangas que eu guardava em gavetas e ia brincar com ele. No quarto dele tinha algumas coisas legais, mas em especial tinha o atari e eu adorava jogar. Com ele ou sem ele. É que obviamente ele preferia jogar com os amigos do que comigo. Mas eu dava um jeito de ficar quietinha ali olhando eles jogarem. Eu gostava do River Raid. Quase morria do coração quando a gasolina começava a acabar. E como a vida imita a ficção, não aparecia um miseravi de um posto para abastecer. Aí eu gritava, "- Iqueeeeee me ajuda, vai acabar a gasolina.
Mas claro, que o fundo musical no quarto dele era Rock. Ou estava tocando a fita do Ramones. Ou do AC/DC.  Ou do Metallica. Kiss também tocava bastante. Depois ele descobriu Bad Religion e Nofx. E a minha playlist de hoje é exatamente a mesma que tocava no quarto dele. E confesso que me apaixonei por essas bandas. Não tenho vergonha de dizer que não gosto de MPB, samba e pagode. Eu gosto de Djavan. Adoro a música Oceano. Mas paro por aí. Gosto é mesmo uma coisa de cada um.
Uma das músicas que mais me marcou foi The Unforgiven, do Metallica.
Esses dias eu estava navegando e vi na internet a foto do vocalista do Metallica, meu ídolo de adolescência, de infância, de sempre, com uma arma ao lado de um urso. Um lindo e enorme urso pardo de Kodiak, no Alasca.
Recentemente estive em um vilarejo do Canadá, uma pequena cidade entre as montanhas, chamada Banff. E eu procurei um urso em todos os lugares. Eu literalmente o caçava em todos os lugares. Havia placas. As lixeiras eram a prova de ursos. As estradas cercadas. Não alimente os ursos. Tudo fazia eu acreditar que encontraria o meu tão sonhado urso Grizzly. Mas eu não tinha arma. Eu não queria matá-lo. Eu só queria uma coisa. Um único objetivo. E eu consegui. Em uma pequena estrada. Deserta. Estava frio. Nublado. Não  haviam carros na pista. Nem pássaros. Mas eu o vi. Caminhando lindamente no acostamento em direção a montanha. Eu tinha apenas duas coisas em minhas mãos. As minhas maiores armas. A minha coragem e a minha câmera. Foram segundos. Uma foto apenas. Ele nem me olhou. Certamente ele prefere as morenas, altas, sensuais. Mas eu estava realizada. A viagem que já estava maravilhosa ficou ainda mais apaixonante. E emocionante.
Voltando ao meu ex ídolo do Metallica, eu fiquei pensando que tipo de ídolos e pessoas admiráveis colecionamos ao longo da vida. O meu maior ídolo era um caçador de ursos. Ele mata por prazer e tira fotos. Ele atira em um ser indefeso no seu habitat para ter isso como troféu. Esse é o prazer dele, além de cantar. Gosto estranho. Mas quem tem que julgá-lo não sou eu. Eu apenas o abomino como ser humano. Eu não vim para o mundo para julgar ninguém. Mas posso ter o livre arbítrio de não querer mais alguém perto de mim. Alguém que não admiro, que não confio. Posso ter a liberdade de excluir todas as músicas do Metallica da minha playlist.
Eu enterrei ele e a banda.
Eu sou defensora dos animais. Não vou à zoológicos, Sea Worlds e derivados, nem a parques com animais presos. Não vou também pegar um barco e sair gritando no meio do Pacífico contra um navio Japonês que caça baleias. O Green Peace faz sua parte. E eu faço a minha. Com menos barulho. Mas faço. Tenho juízo também. E equilíbrio. Mas não consigo separar o cantor e o caçador. São a mesma pessoa. E sem ética. A caça esportiva não é ética. No caso dele, a ética, a moral, os princípios se rebaixam apenas aos interesses pessoais.
E pensando nesse vocalista, eu pensei em outras pessoas que fizeram e ainda fazem parte da minha vida. Quantas pessoas também me decepcionaram e ainda me decepcionam. Aquelas velhas frases, aquelas mensagens curtas, pois tempo não existe mais. O café não tomado. O abraço amargo. As competições fúteis e desnecessárias. A linguagem que não é mais a mesma. Os gostos não batem mais. O não pensar no outro, o não saber escutar.
Quantas pessoas eu idealizei, quanto apostei em outras.
Mas dizem que a vida é feita de decepções. Mas de alegrias imensas também.
Talvez elas existem justamente para nos mostrarem que exitem caminhos a serem seguidos. E que felizmente podemos escolher.
Sim, escolher.
Nessa viagem que estamos fazendo chamada vida, podemos fazer escolhas. Podemos escolher qual dos caminhos queremos seguir e com quem queremos. Podemos permanecer dentro do mesmo vagão a viagem inteira. Com as mesmas pessoas. Mas podemos descer na próxima estação e conhecer. Despertar. Realizar. Mudar.
Podemos escolher qual música queremos ouvir.
Eu irei para o Alasca. O urso pardo de Kodiak é meu próximo troféu. E eu irei procurá-lo em todos os lugares.
Nem que seja para tirar uma única foto. Não importa.
O meu troféu sempre será a gentileza, a confiança, a bondade.
Será sempre o amor.